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terça-feira, 23 de março de 2010











ESSÊNCIA DO SER


Estou com sede.

Bebo uma água de côco.

Deito-me na rede

e durmo um pouco.

Daí, tenho um pesadelo

em que não havia

mais água de côco.

Desesperado!!!

Grito feito louco:

“Onde estão as águas perto do estaleiro?”

Tudo era deserto,

não havia um regato

Tudo era incerto,

onde estavam os riachos?

Não queria águas limpas,

[apenas sujas]

Muito menos cristalinas,

[as queria turvas]

E o que queria mais

era matar minha sede

Nestes minutos

que pareciam meses.

Comecei a lembrar-me do macaréu

que no Amazonas traz consigo a pororoca.

E das águas que refletiam o céu

nos mares onde viviam as focas.

Começava a implorar

pelas águas do Mar Morto

Tiraria destas o sal

e as beberia um pouco

Lembrei-me do Tietê

que mesmo poluído,

o teria coragem de beber

embora fosse um corrompido fluido.

Minha vida se esvaia

e todos os sentidos eu perdia,

entretanto como morreria???

Decerto pensando...

Nos extraordinários desperdícios

que para os homens já se tornou um vicio

Ou nos homens que matam seus filhos

apenas para jogar seus poluentes nos rios

Certamente não morreríamos

num deserto sem águas

e, sim, de águas impotáveis

E com nuvens de chuvas ácidas.

Enfim, morreríamos num deserto molhado

onde sonho acordado

e tenho um pesadelo

[dos meus dias contados...]

quinta-feira, 18 de março de 2010

EPITAFIO



Aqui jaz...

...a destra que não escreveu

Nenhures suas eruditas palavras

Todavia o mundo conheceu

Sua vida e longa jornada

Seus preceitos converteram o mundo

E todos os que os ouvem

São transfigurados num segundo

“Que descanse em paz”.

................................................................

Não obstante...

... a este epitáfio cancelou

Quando na cruz

Foi afligido sob a luz

(do Sol)

Pelos inumeráveis pecados

E após tudo haver consumado

Ao crepúsculo foi embalsamado

E sob nênias inumado

Porém, ao terceiro dia:

“Ressuscitou!!!”.


CHÃO DO SERTÃO



Há cem anos tenho fome

Paro. Penso... sinto o vento

Que leva minha terra[,] seca

Onde só há lamento.[.]

Crianças me pisam

Descalças, desamparadas

Às portas[.] de suas casinhas de taipa.

Seus olhares[?] refletem

O desprezo, a desolação

A esperança[?] para elas

Talvez seja[!] a única solução

Porém, até quando?

Se cá, no Brasil

Eles só falam em reforma agrária,

Distribuição de terras.[,]

E depois que o mandato acaba

Tudo não passa de mais promessas.[.]

Sendo assim...

...a vida neste chão nordestino

Continua fria, dura, sem sorrisos[.]

E, se a morte pegá-los dormindo

Ninguém se importa, “é o destino”.[.]

Contudo como se livrarão?

Da desnutrição[,] infantil

Da sede[,] de cultura

E da fome[?] de letras?

Até porque, como se pode[?]

Aprender tendo fome, e

Vencer sem ter nome?

A estes, o que resta de lindo

É o céu[,]

E a esperança de que gerações futuras

Não sejam deixadas ao léu[.]

Quando este dia chegar

Aqui estarei

Para contar[?] sobre um mundo mais justo[,]

Onde não mais haverá

Por meio da fome[,]

Aos sertanejos, “o luto”. [?]


PS. É necessário realizar duas leituras desse poema. Na primeira, uma leitura completa com as pontuações originais. Na segunda, uma leitura apenas com as palavras sublinhadas e as pontuações entre colchetes. Tenha uma boa leitura...

segunda-feira, 8 de março de 2010

OLHARES COMPLEXOS



Com um olhar convexo
Vejo um mundo complexo.
Mas que me importa?
Estou vendo uma torta
Na vitrine da padaria
Ora, quem me dera um dia
Ou quem sabe o que eu daria
Pra provar essa regalia.
Então, peço uma esmola
e alguém me olha
com um olhar carrancudo.
Eu apenas percebo
Porque sou surdo.
E fico a pensar moribundo
Sobre os olhares inibidores
Que me causam certas dores.
Esses olhares que me inibem
Esses olhares que me dizem:
“Saia daqui, pegue sua sina
e vá morrer nas muralhas da China”.
Porém como posso me transportar?
Se nem mesmo tenho o meu lugar?
No mundo sou ignorado
E o meu lugar é a rua o chão.
Ninguém me dá por achado
Então, quem me estenderá a mão?
A visão de tudo é convexa
E a vida em si é complexa
Quem vem de longe
Só enxerga além do horizonte
Quem vem de perto
Não me recebe de braços abertos
Sendo assim, sou um rejeitado
E estarei sempre deitado
Nas calçadas, esquinas ou sarjetas,
Ou me verás, amigo,
Até mesmo numa gelada gaveta
Ou numa cova rasa
Com um palmo de mão
“Sem ter direito a um caixão!”

POR TRÁS DA LÂMINA

Tudo está escuro e eu estou neste ambiente por trás das cortinas. Estou apreensivo quando a porta da sala se abre e um sujeito alto, magro, de feição ossuda, cabelos negros entra, fecha a porta e como se o local lhe fosse familiar, circula entre os móveis sem acender a luz, certifica-se de que não há ninguém em casa, caminha até o sofá e se senta como se estivesse esperando alguém. Talvez esteja. Só não entendo porque ele não acende a luz. Ele parece muito concentrado no que irá fazer. Na penumbra, retira um cartão do bolso e, como se estivesse se certificando quanto à casa em que está, relaxa e acende um cigarro. Não consigo descrever os móveis porque está muito escuro. Só sei que pelo tamanho da sala que é dividida em dois ambientes e sei disso porque quando o homem circulou pela sala, pude perceber essa divisão e isso me dá a impressão de que esta não é uma simples casa.
Passada meia hora, o sujeito olha o relógio e começa a ficar apreensivo, então, como se quisesse relaxar novamente, talvez para diminuir o nível de ansiedade, acende outro cigarro, levanta-se, dirigi-se ao bar que fica no canto da sala, pega um uísque doze anos, coloca duas doses em um copo e bebe em um único trago. Guarda o uísque e o copo, retorna ao sofá onde termina de fumar o segundo cigarro. Agora ele parece mais tranquilo e quando menos espero, ouço o som de um carro que vem da parte exterior da casa. Ouço também o barulho de um motor, provavelmente o do portão da garagem, o carro entra, o motor do carro é desligado e ouço passos que parecem aproximar-se da porta.
Nesse momento o sujeito se levanta e se esconde atrás da porta. Um barulho de chave entrando na fechadura é ouvido e confesso que meu coração palpita a mil, pois parece que tudo está acontecendo conforme o planejado e dentro de poucos minutos tudo estará acabado. Bom, voltemos para a narrativa. O sujeito parece estar preparado e quando a porta se abre lentamente, posso contemplar que a pessoa é uma mulher. Ela não entra de imediato; é impressionante, mas ela percebe que há algo de errado e tenta recuar. É tarde demais porque o intruso é mais ágil que ela e a puxa para dentro da casa, tapa a sua boca e começa a espancá-la. Ela morde a sua mão e com um movimento rápido se esquiva dele e lhe dá uma rasteira. Ela tenta correr para a porta, e nesse momento, toda a cena acontece muito próxima a mim e eu o vejo rastejar e conseguir agarrar o pé da mulher, que cai por cima da mesa de centro, bate a cabeça e parece estar desmaiada. O sujeito se levanta, limpa o sangue que escorre do seu supercílio, é provável que ele também tenha batido a cabeça, anda em direção à mulher, certifica-se de que ela realmente está desacordada, e após confirmar, tira um punhal de uma bainha presa ao seu cinto, senta-se sobre a mulher – devo confessar que meu coração está quase saindo pela boca – e se prepara para cometer o assassinato...
Caro leitor, neste momento você deve estar se perguntando: – Se você, o narrador, está tão próximo a tudo isso, irá se acovardar e não tomará nenhuma atitude? Bom, devo confessar que você, leitor, tem razão, porque, realmente tomei a atitude que somente um homem da minha posição tem que tomar nestas situações. Aproximei-me da cena, levantei a mão e disse:
– Corta!